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Cala a boca e ouve o mundo.

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Querido diário, eu não tenho #FotoComNaná para postar nas redes sociais. Não nos cruzamos no cinema nem no aeroporto.  Ele não me disse (_____________________________insira aqui sua frase #FilosofiaDeNaná preferida).

É certo que moramos na mesma cidade, mas Recife é grande como uma van de lotação e, enquanto ele estava sentado ao lado do motorista, eu estava com labirintite no fundão.

Teve aquele dia que eu, em pleno exercício da minha função de jornalista, entrevistei Naná. Estávamos separados, além do microfone, pelo abismo da falta de intimidade. Reza o estatuto do bom comportamento jornalístico que não pega bem fazer self com o entrevistado. Eu, então, trolei a brodagem e não disse o que deveria ter sido dito: “ Naná brother, tu é foda”.

A entrevista ocorreu sem grandes demonstrações de fanatismo. Fiz uma meia dúzia de perguntas idiotas (é difícil ser inteligente diante de alguém que fala tambores e traduz berimbau) seguida de respostas interessantes do mestre da percussão. Mas, foi basicamente isso. Nenhum momento mágico-iluminado de troca de experiências cósmicas-ultra-sensoriais. Segui com meu saudável grau de imparcialidade jornalística, reprimindo, a base de “cala a boca”, minha admiração desprovida de filtro. Quando ninguém estava olhando tirei uma foto #pagandodefã que não postei nestes últimos dias #pagandodehumilde.

Depois, muitos anos depois, voltei a entrevistar Naná. Foi numa tarde abafada de Janeiro que o músico declarou seu amor pelo Parque da Jaqueira. Eu perguntei sobre o parque, ele respondeu sobre o parque. Isso é amor.  Diferente de certos artistas que respondem delirantemente coisas que jamais foram mencionadas na entrevista (Tom Zé, estou falando de você), eu só queria agradecer a gentileza por Naná  ter prestado atenção na pergunta e ter respondido de maneira lúcida e resumida.

Pronto.

Nestes relatos minimalistas e cheios de isenção emotiva, resume-se minha convivência com Naná Vasconcelos. Nenhuma luz espada de sabre cruzou nossos olhares e nenhuma conversa digna de virar textão no Face foi traçada entre nós.

Uma lástima.

Toda minha timeline posa sorridente ao lado de uma foto ou de uma história com Naná Vasconcelos. Longe de ser crítica, esse texto é a inveja em seu estado puro e cristalino. É a vontade de ter dividido, não só a cidade, mas dois dedos de prosa com o homem que batucava como se fizesse amor.

- “Cala a boca e ouve o mundo”, ele disse, no final da entrevista, tão baixinho que meu microfone não gravou.

Cala boca, Téta, e ouve o mundo.


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